Breve nota editorial: como talvez já se aperceberam, isto não se vai alongar para doze partes, deve quedarse nas oito ou nove
O Pai Natal Filipe era uma aparição peculiar e cómica, a cara, como que sugada pela sua nuca, era repleta de rugas e muito escarpada, as barbas eram completamente desproporcionais ao tamanho do seu crânio, o peito era praticamente inexistente, o que fazia a prótese abdominal sobressair forma exageradamente deslocada, as pernas bamboleavam dentro das generosas calças xxl e as botas achinelavam produzindo um som tão agudo que, por vezes, apenas os cães o conseguiam ouvir.
Como estava na sua pausa de almoço (um momento off camera do seu trabalho para o jornal) Felipe ofereceu a refeição ao garoto, garantindo-lhe qualquer iguaria que não ultrapassasse a módica quantia de seis euros. O miúdo pediu um hamburger e um refrigerante de sabor artificial e indecifrável, Felipe desejou douradinhos com arroz e água da torneira, apesar de ter meios para pedir um manjar diferente de 70% das suas refeições, Felipe não se sentiu no direito de pregar tamanho susto ás suas papilas gustativas.
Depois dos cumprimentos burocráticos, Felipe iniciou um chorrilho de perguntas existencialistas, disfarçando-as da melhor e mais pedagógica maneira que lhe ocorreu: em vez de perguntar: “aceita a existência de um Deus?” perguntou: “acreditas em Jesus?”, em vez de perguntar: “acredita na vida após a morte?” perguntou:”o que queres ser quando fores morto?”, em vez de perguntar “o que julga do rumo que a sociedade do século XXI está a tomar? Não julga que nos estmaos a caminhar par um relativismo e ambiguidade cultural?” perguntou “o que achas nos outros meninos? São um bocado burros não são?” (Felipe não era a pessoa mais pedagógica convenhamos).
E todas as respostas do miúdo o fascinavam gradualmente mais um bocadinho, nunca assistira a semelhante potencial, tanto realismo, tanta consciência melancólica e deliciosa, tanta apatia desistente, tanto espírito de mártir. Felipe deu por si a desejar coma ardência poder assistir ao desabrochar daquele bolbo tão rico.
Para o miúdo era giro ver a aquele falso ídolo do meio onde ele próprio se inseria (era assim que via o Pai Natal) a comer com ele numa apertada mesa para dois num centro comercial, a deixar cair migalhas amareladas no chão, a sujar a manga do fato com ketchup, a coçar discretamente a pele irritada por aquele material sintético que certamente lhe ira provocar a mais épica das alergias. A crème de la crème foi quando o Pai Natal fumou deliberadamente á frente de uma criança, e tossiu compulsivamente expelindo pelos lábios o mais asqueroso dos escarros.
Aquele encontro deixou Felipe num estado de espírito bastante aproximado da alegria, longe do falso nirvana que era obrigado a assistir diariamente por aqueles dias, mas estava relativamente feliz ainda assim.
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