Esta época era no entanto bastante rentável para o nosso intrépido revoltado apático. Eram em tempos de euforia que ele mais escrevia, e por consequente mais recebia, durante o Natal Felipe tinha por hábito escrever algo que ele pomposamente chamava de “15 dias de elucidação”. Ou seja, entre 10 e 25 de Dezembro, Felipe escrevia textos de opinião a salientar aspectos que o irritavam particularmente durante a época, tentando assim elucidar as pessoas da sua escuridão colorida, da sua alegria de plástico, e tentar fazer com que a verdadeira idiossincrasia da sociedade se expusesse (a verdadeira idiossincrasia da sociedade era curiosamente tão frustrada como ele próprio). Estes 15 textos mantinham-no alimentado de comida congelada e arroz pré-feito durante a época carnavalesca (outra altura produtiva), o saldo da época carnavalesca conservavam o seu estado de nutrição até á Páscoa (onde a musa, um bocadinho mais anafada inspirava a sua mente), com o rendimento da Páscoa mantinha-se no mundo dos vivos até ao Verão, e depois do Verão, comendo douradinhos com arroz de tomate refeição sim/refeição talvez, Felipe conseguia pavonear as suas carnes até ao Natal completando o ciclo vicioso, é claro os seus vícios pelo (melhor) café e tabaco (possíveis) limitavam-no o número de banhos, mas também intelectualóide que é intelectualóide tem o belo cheiro a frustração (uma mistura entre mofo, suor e pó).
Com base no seu estilo de vida, dia 9 de Dezembro, Felipe já tinha 4 textos prontos a publicar e os outros 11 na forja, orgulhava-se particularmente dum deles onde dissecava, analisava, achincalhava e arrasava por completo com a habitual chalaça sexual “boas festas… pelo corpo todo”, sim não havia ano em que um qualquer troglodita lhe enviava semelhante impropério tanto á instituição festiva como á instituição das carícias.
Derivado a pérolas literárias como aquela, Felipe ficou satisfeito quando o director do jornal o contactou, a conversa que se seguiu é que não foi do seu agrado…
Segundo o director (que se baseava numa sondagem feita recentemente), a imagem de Felipe perante aos leitores era a de: “um patético e deprimido homenzinho que, não sendo possuidor de vida própria diverte-se a tentar infernizar a vida dos demais, com aquela escória impressa a toner negro de impressora, a que o leitor (por pura e magnânima gentileza) apelida generosamente de texto” alguns iam mais longe e afirmavam que “Felipe Serda precisa de uma coisa que eu cá sei (e por “coisa que eu cá sei” referiam-se a sexo)”.
Esse sinal de pontuação é as reticências.
Para já porque, que quer que seja que teve a brilhante ideia (e nada de ironia nesta adjectivação, ou nesta ultima a dizer que a anterior não continha ironia, ou mesma esta…) não se deu ao trabalho de inventar um símbolo novo, não limitou-se a repetir um símbolo já existente três vezes, símbolo esse que por sua vez trata-se do símbolo mais básico de todos (…)
E porque é que eu gosto tanto das reticências, porque fazem a metamorfose de uma frase normal para uma frase com sentido perverso.
Senão vejamos:
“Mas que bela filha que vocês têm, anda cá dar um beijinho ao Jonas anda, ai és tão docinha meu amor, ohh que foi? Não chora, não chora”
Agora a mesma frase mas com reticências:
“Mas que bela filha que vocês têm, anda cá dar um beijinho ao Jonas anda… Ai és tão docinha meu amor… Ohh que foi? Não chora, não chora…”
Mas não nos fiquemos apenas pelo cliché da alegre chalaça sexual, não, as reticências vão muito além disso, vejamos o seguinte exemplo:
“Então e o vosso papá, ainda vive o malandro? Aquilo é que é um homem rijo pá, depois daqueles terríveis acidentes, e o desastre com o gás, ele continua rijo como um pêro o sacana. Tá aí para durar o vosso papá”
Ou:
“Então e o vosso papá, ainda vive o malandro… Aquilo é que é um homem rijo pá… Depois daqueles… Terríveis acidentes… E o desastre com o gás… Ele continua… Rijo como um pêro… O sacana. Tá aí para durar o vosso papá”
E só mais um exemplo para terminar:
“ Então compraste algo da Margarida Rebelo Pinto? Muito bem, é bom apoiar a literatura nacional. E ela tem realmente umas observações muito interessantes sobre a condição humana e os condicionalismos emocionais das relações.”
“Então compraste … algo da Margarida Rebelo Pinto? Muito bem, é bom apoiar a … escrita nacional. E ela tem realmente umas observações muito… interessantes sobre a…”
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